1 - Finalidade
O corpo é político, quem não lutar por ele irá perdê-lo para o
Cistema
.
Construiremos um mundo onde toda pessoa será livre para construir e viver o seu corpo desejado. Desejamos o domínio e livre acesso à produção e uso das tecnologias de afirmação do corpo e da mente. Colocaremos tudo que precisamos para construir nossos corpos nas mãos dos trabalhadores, pessoas trans, queer, não-brancas, neurodivergentes e pessoas com deficiência. As farmácias, a ciência, a internet e seus resultados devem servir a todos, não a lógica de lucro.

Liberdade é ter acesso ao básico para poder viver. Um corpo com fome e sem moradia não tem autonomia até essas necessidades serem atendidas. Enquanto isso, nosso mundo produz excesso para poucos bilionários através da escassez induzida para a maioria. Essa é a contradição do Cistema* em que vivemos.

Excesso para bilionários com riquezas colossais versus a falta de alimento para matar a fome, moradia para viver, fármacos e técnicas para podermos afirmar o corpo desejado e uma internet livre incentivando a colaboração ao invés do consumo. Nossos corpos são atravessados por essa contradição, sendo corpos trans, com deficiência, neurodivergentes e racializados alvos da marginalização do Cistema, que garante o excesso para os bilionários, acionistas majoritários, e o domínio das tecnologias de afirmação corporal nas mãos de pouquíssimos homens cis-héteros brancos.

É da necessidade causada pela escassez induzida pela classe dominante que garante que 1% tenha em excesso explorando 99%, provocando a falta de acesso a hormônios, cirurgias, remédios, produtos de higiene, roupas para nossa identidade, mas também falta da comida, da moradia e comunidade para sermos livres, em resumo, das faltas das necessidades básicas atendidas por essa sociedade, que nasce este coletivo.

Destrua o Cistema!
2 - Como faremos
Uma sociedade em que as
tecnologias de produção do corpo
estejam nas mãos das pessoas marginalizadas pelo Cistema depende de uma ruptura radical das estruturas que nos excluem do controle dessas tecnologias. Por isso, seguimos os seguintes princípios:
2.1 - Somos anarquistas
Porque não acreditamos em
vanguardas
. Acreditamos na construção e organização das comunidades como forma de cultivar a cooperação sem a dependência de uma estrutura mercadológica, estatal ou partidária para garantir a organização.

Buscamos uma sociedade em que a autonomia corporal seja plena, portanto desejamos a total descentralização do poder econômico, político e a extinção da noção genitalista cishétero de conformidade entre genital-gameta e identidade, construímos alianças com comunidades e grupos que reforçam este projeto.

Líderes tem a função de tornarem-se dispensáveis a longo prazo, empoderando o coletivo para não depender deles.
2.2 - Acreditamos no voluntarismo
"De cada um de acordo com sua capacidade". Seguimos essa máxima, pois o mundo capitalista consome grande parte do nosso tempo e capacidades, precisamos antes sobreviver para lutar.

O voluntarismo permite recuos estratégicos, avanços engajados, dedicação naquilo que amamos e manifestação da diversidade de habilidades e desejos. Isso não significa autonomismo, que é a atuação individual dividida. Construímos em coletivo. Acreditamos que a cooperação organizada com habilidades distintas nos leva mais longe.
2.3 - Construímos comunidade
"Para cada um de acordo com a sua necessidade". Trabalhamos coletivamente para fortalecer nossa comunidade como base para uma experiência social capaz de atender nossas necessidades.

Nosso objetivo é uma comunidade horizontal em que todos participem das decisões e colham os frutos delas ao mesmo tempo que a constroem juntos. Faremos ação direta, usando nosso trabalho para contribuir com a comunidade sem depender do mercado e do estado que há tempos tem abandonado nossa comunidade.
2.4 - Produzimos arte
Somos hackers. "Hackear é abstrair. Abstrair é produzir o plano sobre o qual coisas diferentes podem entrar em relação" (McKenzie Wark). Nossa arte produz relações. Sabemos que grande parte da nossa comunidade vive nas ruas, e uma das formas de resistir e persistir a presença dos nossos corpos nas ruas é criando a nossa própria cultura, linguagem e formas de expressão.

A arte é um mecanismo humano de expressão, que construído com intenção política pode ser um instrumento de luta muito importante. Ela é capaz de produzir memória, ancestralidade e perspectivas de novos mundos.Enquanto coletivo, produziremos arte política e educacional que converse diretamente com a nossa comunidade (zines, lambes e o que mais der na telha), e iremos incentivar as ocupações e movimentações queer culturais e marginais diversas pela cidade.

No mundo virtual, toda interface feita por nós será feita para produzir relações que constroem coletividade e resistência da nossa comunidade. Não recuaremos diante do roubo feito pelas big techs das artes no território da internet. As Inteligências Artificiais têm sido usadas para se apropriar do trabalho artístico e gerar lucro para bilionários. Mostraremos a verdadeira potência da IA e da arte marginalizada, colocando suas tecnologias contra os magnatas virtuais, ironizando-os.
2.5 - Vemos o mundo de uma Transperspectiva
Cisgenereidade é compulsória! O presente é apenas potencial e o futuro é a realização ou contenção dele. Rejeitamos a perspectiva fatalista cisheteronormativa em que tudo que somos é um produto "biológico" determinado por nossas genitais ou gametas fechado em uma possibilidade binária.

Um corpo tem infinitas possibilidades de existir, que hoje estão limitadas pela falta de domínio às técnicas de modificação corporal e pela obrigação imposta de gerar filhos. Queremos libertar essas potências para além do binário e do gênero como limitantes.

Desejamos libertar nossos afetos para além da cisheterossexualidade que existe para servir à reprodução compulsória de mão-de-obra para o capitalismo. Precisamos parar de falar da revolução em termos de futuro, esse peso no futuro atribui o processo revolucionário somente ao processo de classe. O que corpos trans fazem e resistem já é por si uma revolução.

A revolução é agora e estão atacando ela. O que você fará?
3 - Nossos Objetivos
3.1 - Nossa comunidade tem fome
Não existe liberdade onde se tem fome. Faltam oportunidades para pessoas trans, com deficiência e neurodivergentes poderem matar sua fome. Enquanto isso, há supermercados cheios com preços inacessíveis, porque o Cistema produz a comida para dar lucro e não para matar fome.

Queremos o fim dessa lógica. Necessidades básicas não são para dar lucro, o trabalho humano deve atender as necessidades e não disperdício como parte da lógica do lucro.
3.2 - Por uma saúde transgênera
Saúde é para garantir autonomia e não só para tratar sintomas. Queremos livre acesso a hormônios, cirurgias e fármacos com conscientização do uso e esforço para redução dos colaterais indesejados e maximização dos desejados. Enquanto a técnica for refém das necessidades do Cistema, a finalidade acima não poderá se realizar para nossos corpos marginalizados.

Precisamos de pessoas trans, neurodivergentes e pessoas com deficiência participando da produção da sua própria saúde como agentes ativos de uma saúde buscando aumentar o potencial dos corpos e não paciente-passivo da saúde capitalista do
Cistema
, que só trata os sintomas dos adoecimentos causados por ele com a finalidade de nos tornar mais produtivos e não nos dar autonomia.

Saúde não deve ser mercadoria.
3.3 - Por moradias para nossos corpos
Não existe liberdade sem ter um teto. Precisamos morar. Os corpos marginalizados são negados o direito de ter um abrigo em um lar próprio, somos expulsos de nossas casas e desacolhidos pelo Estado e o mercado.

A moradia para nossos corpos não está contemplada por essas lógicas, que produz
casas sem pessoas e pessoas sem casas
. Nossa comunidade é uma das mais afetadas por essa escassez produzida para dar lucro. Por isso, lutamos por uma lógica de propriedade que permita que ninguém morra de frio nas ruas.

Queremos nossos lares.
3.4 - Descentralização das tecnologias de generificação
Corpos são políticos! Não tirem nossos corpos de nós. Homem e mulher é um produto da cisgenerificação compulsória. Próteses, fármacos e procedimentos estéticos de afirmação de gênero são livres para pessoas cis e restringidos para pessoas trans. Isso é uma consequência direta do Cistema.

Queremos o fim disso tudo.

A descentralização das tecnologias de modificação corporal depende do fim do capitalismo e do patriarcado. Portanto, defendemos a propriedade coletiva de todos meios de produção e reprodução da vida, de construção corporal e da consciência como das terras onde a comida nasce, das fábricas onde fazemos as ferramentas e bens que auxiliam a vida, e dos meios de comunicação que nos ajudam a entender nossos papeis no mundo e na comunidade.
3.5 - Internet livre como meio de produção da consciência
A internet assumiu um papel central em como nos informamos sobre o mundo. O controle do fluxo dessa informação se mantém oculto por trás dos algoritmos dominados por big techs, produzindo percepções falsas sobre a realidade e condicionando a verdade aos primeiros resultado de ferramentas de pesquisas, que mostram resultados patrocinados e de inteligência artificial, atendendo interesses privados focados no lucro e não do coletivo.

A centralização da internet em pouquíssimos sites e apps desses bilionários destruiu as formas descentralizadas antes conhecidas de blogs, sites, fóruns em que as cibercomunidades tinham autonomia para construir seus ciberespaços sem ter seus dados roubados por algoritmos que servem à ganância de bilionários digitais.

Queremos uma internet livre, descentralizada, em que os algoritmos sejam abertos, transparentes, programados por nós e atuando para incentivar a colaboração para atender as necessidades das pessoas e não para espalhar mentiras (fake news) ou incentivar uma cultura de consumo. Devemos ter controle da interface e dos meios de produzi-la.

Só assim garantimos que as informações e seu fluxo estejam à serviço das necessidades das pessoas e não do enriquecimento de uma minoria bilionária que nos explora e usa a internet como meio de nos dominar. Também acreditamos na possibilidade de se construir um corpo através de um espaço extracorporal, uma simulação do que se é/ou se deseja ser na virtualização do ser. Não hierarquizamos e definimos a linha que traça a distinção entre os espaços materiais e os virtuais.

Por isso, disputaremos a internet como forma de produzir a si próprio, construindo e reforçando novas tecnologias de produção de si virtualmente, podendo também servir como ferramenta para que transições virtuais possam se materializar fora dela.
3.6 - Despatologização da vida
Neurodivergência não é patologia, patológico é um sistema que lê as diferenças como doença.O Cistema tenta nos confundir ao transformar suas mazelas em doenças e diagnósticos para atribuir o seu fracasso aos indivíduos, chamando-os de doentes mentais. Os fármacos têm a finalidade de tornar neurodivergentes do sistema em corpos produtivos.

Queremos libertar as mentes destes fármacos. Fármacos devem atender as necessidades individuais e coletivas, não do sistema capitalista para manter a lógica de produção de lucro.

Lutamos pelo livre acesso e domínio dos fármacos, pelo fim de uma lógica de trabalho adoecedora que consome todo o tempo de vida das pessoas para enriquecer uma minoria, enquanto resta migalhas para a maioria.
3.7 - Pelo direito à reprodução queer
Se um corpo pode vir de nós, então somos nossos próprios mestres. A tecnologia nos possibilitou hackear nossos corpos para reproduzirmos sem depender da heterossexualidade. Essas tecnologias são restringidas pelo tecnopatriarcado para poucos. Ter filhos deve ser uma possibilidade e escolha para qualquer corpo através das tecnologias de reprodução.

A cisheteronormatividade jamais permitirá que utilizemos essas tecnologias, pois, com elas em nossas mãos, a cisheterossexualidade deixa de ter sentido na sua existência, justificada hoje pela concentração para si da capacidade reprodutiva.
Glossário

ᓚᘏᗢ ~nya

Cistema:

Chamamos de Cistema o mundo que vivemos hoje. O mundo de hoje é feito de barreiras que restringem acessos.
  • O capitalismo restringe acesso ao trabalho, à moradia, à comida e tudo que produzimos para concentrar riqueza nas mãos da minoria da população;
  • O binarismo e a cisheterossexualidade restringem nossa técnica e imaginação para além das dualidades homem x mulher;
  • O estado nos restringe das decisões que podem mudar essa realidade ao nos reprimir com a polícia e tomar as decisões através de políticos que não nos representam;
  • O vetorialismo é um sistema em que uma classe domina os meios de produção de informação e fluxos de comunicação - restringe as informações e nos direciona informações falsas e manipuladas para nos convencer das inverdades da classe dominante.
A soma dessas estruturas é o Cistema.

Tecnologias de produção do corpo:

Entendemos qualquer técnica e trabalho usado para produzir os corpos para viverem em sociedade hoje como ‘tecnologias de produção do corpo’.
Por exemplo: Produtos de higiene, comida, moradia, hormônios, remédio, fármacos, roupas, cirurgias são todos produzidos pelo trabalho coletivo de várias pessoas, empregando tecnologias como química, biologia, medicina etc.

Vanguardas:

Entendemos por vanguardas, grupos políticos que pretendem controlar o processo revolucionário, tomando as decisões pelo povo, e que se pretendem como mais esclarecidas do que qualquer outro grupo político em relação ao processo de ruptura com o Cistema.